sexta-feira, 4 de setembro de 2009

SEM PEIAS

Zé Antônio biritava a noite inteira. Não resistia a uma porta de bar. Ao depois, perambulava madrugada a dentro, cantando velhas meretrizes e fantasmas. A barba por fazer dava-lhe ar misterioso, mas de gente relaxada, sem destino, sem família, ao modelo dos que andavam por andar, andarilhando sempre, mas sem tempo de chegar. Mantinha-se com amiudados recursos provindos da previdência estatal, que mal se arrastavam até o quinto dia do mês.
Desprezava a idéia de aniquilar-se sob as regras que atavam os pés das pessoas às camas, para ensinar modos convenientes da civilização envernizada. Queria-se assim: birita, mulheres e noite, sem companheiro chato aporrinhando com histórias sem graça de culpas e pecados. Para esses, dava-se como tímido e saía fora.
No fundo, matava-se de risos ao seu jeito particular de observar as pessoas. Eram os rios caudalosos e subterrâneos dando forças à sua existência. A vida e seus penduricalhos representavam fonte inexaurível de humor e ironia. Doutra banda, o presente era seu porto real. O futuro não mexia com seus sentimentos.
Quanto ao passado, dizia que as lembranças estabeleciam tentativas dolorosas de saudades. Zé Antônio ria dessas tramas enlaçadoras de gente como ele, geradoras de tristeza nas esquinas de cães, vagabundos e sonhos.
Ele não ligava para o fato de ter-se acostumado à lida dos fracassos, às vitórias efêmeras, aos tombos. Sabia que o homem nascera para esse circo, onde viveria junto às feras e na corda bamba. Entre ser canalha ou bom moço, preferia o colarinho largo dos picadeiros.
Camisas e calças de brim; olhos de ferro; o coração, uma coisa qualquer que não se abatia nunca. Ao enfrentar as sucessivas fronteiras de barro cru, pressentia o esvaecimento das conquistas. Assim, tocar para a frente os passos, sem esperar algo especial, tampouco o abismo. Era sua sina ser assim.
Não frutificavam desejos impossíveis; exilara as utopias. Destas, ele conhecia as manhas. Despistava a memória, para não recordar prazeres realizados. Detestava sustos de reencontros. Cabelos brancos e rugas faziam parte do processo. E pronto!
O que valia para Zé Antônio era o agora sem peias ou mistérios, fosse no bar dos flagelos, ou no das imaginações, ou sobre a meretriz sem identidade garantindo-lhe êxtase e esquecimento para instante seguinte.
Pensar no amanhã ou no ontem era-lhe avesso, como o era registrar o apito do guarda, o latidos da cadela no cio, o choro da mulher estranha que lhe relaxara as tensões.
Indiferente aos martírios, imaginava a vida uma longa estrada - que por alguma circunstância poderia ser encurtada -, onde fatos e acontecimentos brotavam inexoravelmente às margens, materializando-se à passagem do indivíduo. Situações boas ou ruins, elas aconteciam durante a jornada, independentemente de qualquer protesto ou desejo. Nesse trânsito estranho, o engarrafamento era fato comum, endoidecendo os açodados.
Não era um trouxa. Sabia despistar sofrimentos. Pouco se enrodilhava nas rmadilhas. O amor, por exemplo, jamais fora proposta de vida ou morte.
Zé Antonio despediu-se da existência, quando sua própria natureza decretou-lhe inteira consciência das coisas.

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