sábado, 12 de setembro de 2009

CAÇA AO FRANGO

Domingo, André comeria galinha ao molho pardo. No sábado, foi ao abatedouro com a esposa. O atendente colocou-os à vontade na escolha da ave. Num amplo galpão, onde centenas delas se alvoroçavam, André apontou para uma penosa bem gorda, logo atingida pelo puçá preso a um cabo de vassoura. Nesse momento, de inopino, André avançou galinheiro adentro atrás de um frangote chegado a carijó. Seu gesto subitâneo colocou as aves em polvorosa. Sua mulher, o atendente e os fregueses espantaram-se. O homem enlouqueceu? - Pensaram.
- Quero aquele frango pintado!- Gritou ele, atrás do ágil galináceo.
A confusão alertou o dono do estabelecimento. Ninguém explicava o comportamento de André. Cansado, pediu ajuda à mulher.
- Já escolhi a nossa galinha, André!
- Levamos a galinha e o frango! - Respondeu ele.
- Não há necessidade, amorzinho.
- Não discuta! Pare de falar e me ajude a pegar esse desgraçado!
A coisa ficou nebulosa. André parecia enraivecido. 'Desgraçado' passou a ser elogio.
Num dado momento, ele se confundiu. Apareceu outro frango igual ao perseguido. Deu meia parada e pediu à esposa para não deixar passar nenhum tobiano.
- Meu bem, tobiano é cavalo com manchas brancas sobre pêlo avermelhado ou escuro.
- Dá no mesmo, Joana. Quero os frangos pretos pintados de branco, tipo carijó falsificado.
Em diante, todos ajudaram, aprisionando quatro frangos pretos com pintas brancas.
- Levarei os quatro, mais a galinha.
- Meu bem, o que deu em você?
- Depois falamos! Não importune. Em casa, eu explico.
- Mato os quatro? - Perguntou o dono do abatedouro.
- Não, não. Só a galinha. Reserve o sangue, pois será à cabidela. Levarei os frangos para criar. Agrada-me o colorido de suas penas.
Os fregueses entreolharam-se, reprovando o péssimo gosto de André.
Quase num murmúrio, sua mulher perguntou:
- Como criaremos frangos em apartamento?
Rispidamente, porém baixinho, respondeu:
- Cala a boca, mulher!
Da barafunda, ele saiu meio envergonhado. O dono do comércio meteu ripa:
- Cada louco com sua mania.
Em casa, André emborcou um cesto sobre os frangos e apanhou uma faca afiada.
- Para que a faca?
- Você é curiosa, faz muita pergunta. Trinta anos de casados, só agora descubro sua língua e sua mente como péssimas aliadas para acompanhar-me no dia-a-dia.
- Oh, André, o que deu em você?
- Cuide da galinha e me deixe com os frangos!
André apanhou o primeiro e firmou sua cabeça no esfregador de roupas do tanque. Num golpe, decepou-a. Ainda se mexendo, André rasgou-o com precisão cirúrgica, sacando o papo e a moela. Tirou o alimento e colocou num prato: areia, milho, ração e por aí. Até uma miçanga azulada ele encontrou. Depois de vasculhar, jogou o conteúdo do prato na lixeira.
- Joana, depene este.
- Você faz a coisa errada. Primeiro, mergulha-se o frango na água fervente, retirando-se as penas. Depois é que se extrai o papo.
- Sei o que faço! Você já está enchendo o saco!
- Vai para o molho pardo?
- É muita coisa. Limpa e põe no freezer!
André partiu para o segundo frango. Matou-o, retirou a moela e o papo. O mesmo procedimento anterior. Depois de bem esmiuçado o alimento do miúdo sobre o prato, lançou-o à lixeira. Após, entregou-o à mulher para depená-lo, partindo para o terceiro frango.
- Vai matar outro?!
André já não falava. Apenas balançava a cabeça.
Joana estranhava seu comportamento. Desde que iniciara a perseguição aos frangos no matadouro, não mais sorriu. Ar circunspecto, falava de lado. De súbito, Joana assustou-se:
- Achei! - Gritou André, esfuziante, enquanto Joana corria ao seu encontro.
- Achou o quê, André?
- Vamos, Joana, passe-me o álcool e aquela cola rápida que está na porta da geladeira!
André trancou-se no banheiro, levando bons minutos para sair. Quando o fez, era outro homem. Até sua cor melhorou. Voltou a ser o homem que Joana conhecia: alegre, comunicativo, sorridente e amoroso. Pediu-lhe desculpas por algumas grosserias.
Resgatado o pivô e o respectivo dente que soltara da arcada dentária, no momento da escolha da galinha no matadouro, não havia mais motivo para tristeza e cara fechada. O frango engolira a peça e André tinha a exata noção de quanto pagara ao dentista pelo serviço.

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