sábado, 5 de setembro de 2009

ASAS DA ILUSÃO

Havia muito de alucinação no que Altino falava sobre Maria da Penha, a mulher de seus sonhos. Seu corpo fora moldado com extrema perfeição; isso o afligia dia e noite. Corpo de carne e osso que nada devia às musas dos poetas consagrados, às artistas em geral e às lindas sirigaitas das capas das revistas masculinas. Era sangue verdadeiro nas veias da mulher-encanto.
Porém Maria da Penha transformara-se num espectro na vida de Altino. Depois de vários anos, ei-la emergindo dos fundões de sua memória, revigorando o sentido da paixão, como se nunca tivesse desaparecido de seus sentidos, mas apenas dado um descanso à alma.
Maria da Penha, Penha, Peninha, Meu Anjo, Pepê, Pê, sei lá quantos nomes mais enumeraria, tanto o amor e o poder criativo de Altino no tratamento carinhoso à bela mulher.
Durante meses, Maria morou em sua companhia numa casa à beira-mar. Amor mágico, regado a vinho e passeios. Digam o sol e a lua sobre os dois nas areias beges da extensa praia. De súbito, foi-se e não mais voltou. É verdade, nunca mais!
Altino escrevia em prosa e verso sobre a beleza da amante. Suplicava seu retorno.
Seu corpo era mistério escondido num tempo, que ao tempo se lançava entre ânsias de amor. Era a emoção atirada na areia, sereia de encantos morando no mar!
Altino anunciava que o corpo de Maria da Penha era um brinquedo aos seus olhos de sonhos, sonhos paridos da fonte dos êxtases puros. Ele a sentia em desejos ardentes, com os dentes trincados no instante da espera, porque o corpo de Maria da Penha era a floresta, o deserto, o oceano, a festa de luzes ofuscando sua alma.
- Vem, Maria da Penha, junta teu corpo ao meu. Dá vazão à minha libido. Desarrumemos o lençol de areia, enquanto a noite prateada e mágica se faça residência à nossa luxúria!
A trama envolve Altino, leva-o ao fundo do poço, morada dos desencantos. Vivia ao lado de Maria da Penha momentos de engano, olhos cerrados aos duros instantes de ausência.
Altino, por que se submeter a tanto sofrimento?
Era um poeta. Conhecia a composição dos sonhos, sua textura de algodão. Ao baixar a cerração, a realidade desnudava-se inflexível. Era quando Altino indagava sobre onde andaria Maria da Penha, instantes de emoção singela, poemas aos borbotões, razão de viver aflorada, libido em alerta, enquanto jurava ânsias ciganas de ter os caminhos aos pés de seus passos, para procurá-la em todos os lugares do mundo!
Ah, isso faz anos! Ela se foi para sempre, de repente. Aquelas coisas acontecendo no coração da mulher, sem que se explique como ou por quê. Outro amor? Cansaço? Rotina? Desejo de aventura? Sua partida resultou em perplexidade. Havia casos complexos, mas fáceis de esclarecer. Mas para o caso de Altino não havia justificativa. Ela se foi, simplesmente se foi, deixando-o aturdido. Não se curou, porque o vírus manteve-se hibernado durante vários anos. Agora, lamenta todas as ausências, em versos de todos os sentidos. Que coisa sem jeito!
Maria da Penha, esse império de cultura e de beleza, corpo misterioso, construía os poemas sofridos do poeta.
As ondas milenares repetiam seu canto. Altino misturava poções, fazia preces e esperava atendimento às súplicas. Mas, oh!, iludido Altino, há quanto tempo Maria da Penha se foi!
Ao homem não importava a recomendação banal. Sua alma queimava sobre chamas teimosas de amor. Viveria feliz longe das asas da ilusão. A realidade sempre foi muito má para os poetas. Seu universo interior, a imaginação sem limites, oh, ele termina afundando nas trilhas de fuga!
Vamos em frente, Altino! A ti interessa que Maria da Penha ainda exista? Duvido. Fala a verdade!
Ah, esses poemas que se multiplicam na alma dos sonhadores! Como são dolorosos!

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