segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A ARCA DO TESOURO

Pedrinho determinara-se a descobrir a fórmula da felicidade, algo que o fizesse tão feliz como os meninos residentes nos bairros ricos.
Era muito pobre. Não conhecera o pai. A mãe sustentava quatro filhos com lavação de roupa. Não bastasse, a avó materna residia junto à família no barraco apertado. Frequentara os três primeiros anos do curso primário. Embora gratuito o ensino, havia uniforme, sapatos, alimentação, passagem de ônibus, ao mesmo tempo em que se tratava do filho mais velho, muito requisitado na ausência da mãe. Afinal, sua avó vivia entrevada numa cama, doente, quase cega. Pedrinho tomava conta dos irmãos menores e alcançava remédios à avó. Havia, pois, muitos problemas impedindo-o de continuar os estudos. Resolveu sair de casa.
Ele sonhava muito. Não compreendia como havia meninos bem vestidos, tênis de marca, boa alimentação, belas bicicletas, cinemas e passeios, desejos atendidos, enquanto outros passavam por necessidades, inclusive fome. Os privilegiados tinham tudo o que queriam, vida de príncipes.Foi o desejo de conquistar essas maravilhas que impulsionou Pedrinho a sair de casa. Descobriria o caminho da felicidade. Já no primeiro dia, constatou que, sem dinheiro, não usufruiria as coisas boas da vida. O coitado estava sem vintém, não tinha sequer para comprar um pão. Começara a provar os amargos dercorrentes da decisão de sair de casa. Lá, ao menos, sua mãe conseguia o mínimo para não deixar a família passar fome. Sua avó, num golpe de sorte, alcançara uma pensão. Recebia um salário-mínimo mensal. Seu marido fora operário naval e trabalhara quarenta e tantos anos com carteira assinada. Mas o que fezia o garoto, agora longe de casa?
Enturmado com alguns flanelinhas, sobrevivia dos trocados recebidos dos motoristas nos estacionamentos da via pública. Por mais que tentasse, não vislumbrava como atingir os objetivos. Na lida diária, observava que não era só ele o desprotegido pela sorte. Centenas, milhares de garotos perambulavam pelas ruas, mal vestidos e com fome, dormindo sob pontes, viadutos e calçadas, vivendo da caridade alheia. Alguns não tinham sequer família, situação pior que a sua. Contudo, os sonhos borbulhavam: roupas novas, casa com televisão, geladeira, máquina de lavar roupa e tudo o mais que pudesse adquirir para dar conforto à mãe. Compraria computador, iria ao parque de diversões e ao circo. Não esqueceria da avó, que seria atendida numa pomposa clínica, supervisionada por bons médicos. Automóvel? Ah, claro que teria um! De preferência vermelho! No natal, um belo pinheirinho cheio de luzes piscando, cercado de presentes, bolas de futebol e bicicletas para os irmãos; vestidos, blusas e belas sandálias para a mãe e para a avó; presunto, frutas, bolos e outras guloseimas natalinas... Assim vivia o garoto, cheio de imaginação e vontade.
Prometera a si mesmo que só voltaria para casa quando descobrisse a fórmula de realizar os desejos. Entretanto, a cada dia se decepcionava com o mundo, pois encontrava as portas fechadas aos seus anseios. Não conseguia transpor a vida de garoto de rua, cujos ganhos como flanelinha mal davam para atender à sua necessidade alimentar. Dormia sob marquises em companhia de outros meninos, sobre jornais e papelão.
Certa noite, pouco depois de se deitar, teve uma visão fantástica. Uma grande arca pousava sob as águas do mar, proximamente à praia. Estava abarrotada de jóias, diamantes, rubis, esmeraldas e dobrões de ouro. A visão levava-o a um lugar já conhecido, uma enorme pedra a cerca de vinte metros da areia, na praia de Copacabana. No silêncio da madrugada, aquela visão, de tão viva, real e intensa, despertou-o à realidade. Lançou os olhos à escuridão das ruas, impressionado com o que terminara de lhe acontecer. Seria uma mensagem vinda dos céus? - Imaginou. Agradeceu a Deus e rezou, como fazia sempre antes de dormir. Virou-se para o lado e logo pegou no sono. Ainda bem não amanhecera, partiu para o local indicado na visão. Ao chegar defronte à enorme pedra, sentou-se na areia. Finalmente, estava próximo de atingir seus objetivos. Sentiu renovadas as esperanças de vida. Não se demorou muito sentado. Aos primeiros raios de sol, tirou a camisa e mergulhou em direção ao tesouro. Próximo a pedra, submergiu e nadou ao encontro da arca. As águas estavam claras, muito claras, como nunca vira. Em braçadas lentas, foi-se ao fundo de areias brancas. Sua mãe não mais lavaria roupas para fora. Sua avó restabeleceria a visão, removendo a catarata. Seus irmãos estudariam, ganhariam brinquedos e não passariam fome. Atenderia ao sonho materno: seria doutor! Enquanto a imaginação tomava-lhe a mente, o tempo passava. Os olhos vasculhadores percorriam cada trecho submarino; seu corpo bailava por dentre cardumes multicoloridos. Os peixes pareciam velhos amigos a acompanhá-lo na busca ao tesouro. Sob as águas, imperava silêncio absoluto. A expectativa transmitia-lhe emoção sedutora. De repente, eis a arca! Era enorme e antiga, parecida com as dos filmes de pirata. Seu coração disparara de felicidade. Aproximou-se e abriu-a. Durante alguns instantes, ficou estático, deslumbrado com a quantidade e o brilho das jóias e das pedras preciosas. Tudo como lhe aparecera na visão: diamantes, pérolas, rubis e moedas de ouro. Deus atendera suas preces. Doravante, viveria como os meninos dos bairros rico, que possuíam tudo o que desejavam. Diante da arca, lançou as mãozinhas no seu interior e trouxe um lindo colar com um pingente incrustado de belas gemas. Suspendeu-o à altura dos olhos, imaginando-o no pescoço de sua mãe. Pedrinho era só felicidade!
Naquele mesmo instante, enquanto a manhã enchia-se de bela luminosidade, uma lágrima escorria no rosto de sua mãe. Para ela, não lhe era estranha a razão de seus pressentimentos. Com o tempo, certificou-se da desgraça que se abatera sobre Pedrinho. Para sua infelicidade, os demais filhos tiveram visões parecidas. Todos foram protagonistas inconscientes de um final trágico para suas vidas.

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