quinta-feira, 1 de outubro de 2009

REVIVÊNCIA

Roberval passeava pelo imenso e antigo jardim da fazenda, construído pelos avós. Bancos de pedra bem trabalhados, flores variadas, pequeno chafariz e gorjeio da passarada.
Com o tempo, o abandono assenhoreou-se do local. Árvores enfermiças, arbustos indefinidos, canteiros desfeitos, inço, teias de aranha, formigueiros, enfim, pouca coisa lembrava o jardim de outrora.
O mato emergia agressivo no caminho de pedras por onde os velhos trilhavam pela manhã, segundo contara-lhe a mãe. Só os bancos sobreviviam perfeitos. Roberval sentou-se num deles, perdendo-se nas horas do passado distante.
Conhecera os avós, ambos já idosos. Novos, só em fotografias. Num momento, trouxe-os à lembrança, dando-lhes vida; colocou-os num jardim restaurado pela imaginação. No banco à frente, Roberval materializou-os de mãos dadas, românticos, inflados por paixão arrebatadora, sob terna troca de olhares.
Nas férias e fins de semana, ao tempo de criança, Roberval descia e subia pelas alamedas, rompendo caminhos na mata e no pomar. Não se detinha aos detalhes do jardim, da fonte, dos desenhos formados pelos canteiros floridos, dos arbustos, dos belos bancos e tudo o mais; suas brincadeiras eram um exercício de dar asas à liberdade.
Roberval entregara a juventude aos estudos. longe da fazenda, formando-se em agrono-mia. Adulto, trabalhou em várias instituições. Aposentado, dedicou-se a escritório de projetos agropecuários.
Com a morte do pai, logo secundada pela da mãe, retornou à fazenda. Filho único, casado e com dois filhos, assentou morada na propriedade, prosperando na pecuária. Um dia, doença grave levou sua esposa. Três anos depois, sucumbia a filha, vítima de complicações de parto. Os infortúnios culminaram com o trágico acidente aviatório na Europa, arrebatando-lhe o filho, a nora e dois netos.
Ficara só. A solidão integrou-o ao velho jardim. Ali, não sentia sua mãe brincando pelas calçadas de pedra, mas notava a presença dos avós sob o olor da mata e das flores, ao canto dos pássaros.
Um sentido de revivência tomou sua alma. As brisas sacudiam as mechas encanecidas. Ideais, pensamentos e sonhos introverteram-se. Havia séculos de ascendência gritando em sua memória.
De repente, do silêncio, brotou o murmurejar da água na fonte; as flores vicejaram; a mata se encheu de sons e cores; mãos amigas puxaram Roberval para uma dança de roda.
Altas horas da noite, Roberval respirava. Mas não despertou às sacudidelas do capataz. Aliás, nunca mais despertou.

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