quinta-feira, 1 de outubro de 2009

OPÇÃO


Sentado na calçada, João recebia o peso do silêncio madrigal. A neblina ajeitava-se nas ruas quase vazias. Como fantasmas, ninguém dava sinal de seu destino.
Fazia frio, mas ele suportava a intempérie. Havia um coração descompassado, sofrendo dores de paixão. Não se desvencilhava do nó na garganta. Eram mulheres trazendo cargas de melancolia para suas horas de solidão! João se aborreceu com a causa de sua depressão.
Um cão atravessou a rua; um pio acenou maus presságios; a gata no cio encantava o fio do muro. A madrugada indicava caminhos aos personagens, inclusive ao mendigo.
Inúmeros fatos eclodiam diante de um João melancólico. Era um filme sem enredo, estampando situações de pouco ou nenhum significado aos seus olhos indiferentes. Para ele, a prostituta convocando ao prazer tinha lugar; mas não esquecera da mulher envolvente do dia anterior.
Onde andaria? Ah, como saber? Interessava o sentido de sua dor e ir para casa dormir. Mas a realidade não funcionava daquela forma. Há muita armadilha no cérebro. Cientificara-se de que o homem criava recursos masoquistas, para afrontar fatos e atos espinescentes.
Desempregado, credores mordiam-lhe os calcanhares; os poucos bens, todos penhora-dos! Fazer o quê? Ao redor, constatou a realidade crucial chegando com o tempo. De fato, havia indiferença de sua parte em relação ao mundo exterior; bloqueara-o um oceano de dívidas.
Devagar, passou a entender o artifício que o envolvia, enchendo sua imaginação de possibilidades amorosas. Só que afundava em tristeza. Já antes, observara a si mesmo a banalidade da causa que o fazia macambúzio. Sentia um artimanhoso processo afastando-o da realidade, levando-o para longe de suas responsabilidades.
Sentado no meio-fio, contemplava a paisagem, perdendo-se sob a fantasia de uma pai-xão consumidora, que logo se consumia como o éter, fazendo sua cabeça vazia. Transtorno puro! Havia problemas subjacentes que não combinavam com paixão, madrugada e sonhos.
De súbito, espantou-se de vez com o volume das necessidades imediatas, mortificando-se com a série de compromissos para o dia seguinte, alguns irresolúveis no momento. Enrodilhara-se na insolvência; não havia perspectivas de soerguimento econômico. A essa altura, mãos no rosto, olhos fechados, passeou sobre as desgraças envolventes, incluídas, aí, a família esfacelada, o abandono dos amigos e o crédito suspenso.
Sob tais pesos, enlouquecia, quando uma brisa soprou seu rosto. Abriu os olhos e viu a neblina se dissipar, desnudando a rua. Um cenário de luzes mostrou-lhe detalhes coruscantes. Os pensamentos transmudavam-se, como num passe de mágica. A imagem da mulher festejada postou-se diante dele; sua consciência ingressou na trama e trabalhou na escolha de caminho menos íngreme. Olhou para o telefone celular.
Passo a passo, concluiu que, naquela quadra difícil, a melhor opção estava no entregar-se à paixão, acomodando-se à válvula de escape da imaginação. Sofrer de amor, sem dúvidas, consolidava-o no processo do viver, fosse qual fosse o engodo articulado pela imaginação para submergi-lo no oceano da alma.
O céu se limpara. Restabeleceu-se a indiferença em relação aos

acontecimentos.
Restou-lhe o caderno e um poema.
O último verso impulsionou-o a andar em direção à sua casa.
Afinal, passara a hora de dormir.


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