segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O SEQUESTRADO

Esbocei um pedido de socorro, mas levei um tapa na cara. Decidi pelo silêncio. Os três bandidos estavam armados. Eles queriam dinheiro e eu estava apenas com algumas moedas, que mal dariam para comprar um refrigerante.
- Qual a sua profissão?
Respondi que era balconista. Aos domingos, trabalhava na feira para complementar o salário.
- Por que, então, se veste como bacana? Enganou a gente, seu filho da puta. Pensamos que era filho de um desses caras, donos de mansão de cinema.
- Vocês me desculpem, mas sou pobre.
- O que faremos com esse babaca?
- Dá um tiro no ouvido. Um só e pronto!
- Não, por favor! Minha mãe morre se souber que aconteceu isso comigo.
Pairou um silêncio sintomático no pequeno quarto. Os delinquentes olharam-se, como se quisessem uma resposta a respeito do que fazer comigo.
- Eu vou embora e pronto. Preciso mais que vocês, creiam.
- Ofendendo a gente, seu merda?
- Não, longe de mim falar alguma coisa para ofendê-los.
- Comeremos teu cu, viado de uma figa!
- Não fiz nada de mal para vocês. Enquanto isso, os filhos dos bacanas estão lá fora e vocês perdendo tempo comigo.
- Ele tem razão. Vamos soltá-lo. Mas só logo mais, senão descobrem o nosso esconderijo. Ele pode bater com a língua nos dentes.
- Fiquem tranquilos. Não direi nada a ninguém. Só quero ir embora. Estou com medo. Quase mijando na calça!
- Vejam só! Ele está com medo. Medo de quê? Não te fizemos nada!
Eu via a coisa preta. Eles eram bandidos de verdade. Não riam, não brincavam. Falavam duro comigo, sem qualquer sensibilidade. Houve um momento em que pingou urina, molhando a calça. Era medo demais! Nunca pensei que medo de morrer levasse a situação tão vergonhosamente mesquinha.
Um deles reclamava da infância que tivera; o outro relatou a morte do pai, por falta de assistência médica. Disse que matou o médico que se negara a atender seu pai na policlínica. O outro ficou quieto. Parecera-me que esperavam anoitecer, quando me levariam para longe dali. Não deu outra. Por volta das nove horas, ligaram o carro, colocaram-me vendas e partimos, eu dentro do porta-malas. Deixaram-me numa rua deserta. Só fui saber do bairro, quando pedi ajuda num posto de gasolina. Estava distante de casa, do outro lado da cidade, porém, vivo, bem vivo, dando graças a Deus por não ter levado um tiro. Naquele momento, uma patrulha da polícia passava pelo local. Desceram dois brutamontes e me pediram documentos. Eu não tinha um documento sequer. Minha carteira ficara com os bandidos, talvez para usá-los em assaltos.
- Está sem documento? O que vocês faz?
- Sou balconista de uma loja de tecidos, em Irajá, e trabalho na feira aos domingos. Ajudo em casa, sabe?
- Mas não tem carteira de identidade?
- Tinha, até hoje ao meio-dia, quando me sequestraram.
- Quem te sequestrou?
Contei a história e eles não acreditaram. Riram da minha cara.
- Quem sequestraria um balconista?
- É verdade. Me bateram, me cuspiram, ameaçaram cortar a minha orelha e, o pior: quase "me fizeram". Só sossegaram quando eu disse que era mais pobre do que eles.
- Por que te sequestraram?
- Disseram que eu me vestia igual a um bacana. Poderia ser filho de um ricaço.
- Ora, ora! Como vamos acreditar nessa história?
- Quer saber de uma coisa, sargento? Leva essa cara pra DP. Tenho certeza que sua ficha é do tamanho de um dicionário.
- Boa idéia. Enfia ele no camburão.
Ao chegar na delegacia, recebeu uns safanões do inspetor de plantão, quer dizer, uns pescoções e umas porradas na boca do estômago e na altura dos pulmões. Era praxe. Se não houvesse maldade na entrada, ela viria de madrugada. Seria pior.
- Bandido aqui dentro não tem moleza!
O Escrivão gritou de uma pequena sala:
- Quem é o vagabundo?
- Parece que é o da rua Sargento Ovídio, o caso do estupro.
- Não, não sou esse cara. Estou aqui por engano. Eu sou vítima, me sequestraram, três bandidos, e ficaram com meus documentos. Fui preso no Jardim Conceição, por estar sem documentos.
- Que negócio é esse?
Logo o motorista do camburão contou o que sabia.
- Então, o comandante disse que não acreditava em nada do ele dizia e pediu-me que o trouxesse para a delegacia. Aí está ele.
O inspetor de plantão, cara de poucos amigos, barba de três dias por fazer, olhos vermelhos sabe-se lá de quê, levou o rapaz para a cela, até que se deslindasse o diz-que-diz-que.
- Olá, companheiros?
Esse foi o cumprimento do inocente dirigido a quase uma dúzia de bandidos ali recolhidos.
- O cidadão aí veio pra cá por qual motivo?
- Não sei. Me mandaram para cá, porque não acreditam na minha história.
- Tu também tem história? Para de bobagem. Bandido não tem história; tem é um depoimento sobre o crime que cometeu. Esse negócio de "qual é a sua história?" é negócio pra boiola. Dá uma puxadinha? -Perguntou o desleixado bandido, estendendo uma bagana de maconha.
- Não, agora não. Depois. - Respondeu o injustiçado Pedro Paulo, àquela altura já não sabendo o que dizer, diante da confusão que se formara.
- Olha, cara. Você não tem pinta de bandido. Mas se for bandido, vai ter que me servir logo mais.
- Eu também quero, adiantou-se outro detento, escorado na parede, ao lado da grade, já de "mala" pronta pra viagem.
- Aqui não gostamos de mentirosos.
- Eu falo a verdade. Eu estudo e trabalho. Fui sequestrado por engano e depois solto. Só que ficaram com os meus documentos.
O sherife resolveu chamar o carcereiro.
- Praça, vem cá!
O carcereiro aproximou-se e ouviu:
- Olha aqui, este rapaz está aqui por engano. Parece gente boa. Mas queremos um levantamento, porque se ele for bandido vai com nós logo mais, ou mesmo amanhã.
- Está bem, Nando. Logo que eu tiver o material na mão, trarei pra você.
Pela manhã, chamaram dois detentos. Foram ouvidos e retornaram.Passava do meio-dia, quando chegou o carcereiro e disse para Nando:
- Olha, num primeiro momento, parece que o rapaz é inocente. Até esqueceram ele aí dentro. Ninguém fala em chamá-lo para ouvi-lo. Alertarei o delegado.
Saiu dali e falou com o Delegado, que de imediato pediu-lhe que levasse à sua presença o detido.
- Sim. Então, depois de sequestrado, a patrulinha te prendeu. Lembra o local do sequestro?
- Apanharam-me na Barra, próximo ao Restaurante Lobão. Dali, fomos para um lugar desconhecido, isto é, cheguei com os olhos vendados e saí da mesma maneira. Deixaram-me longe dali, num bairro que nem conhecia.
- O que fazia na Barra?
- Fui levar uns papéis para mamãe. Ela é empregada doméstica na casa de um doutor.
- Sabe o nome dele?
- Dr. Samuel.
- Samuel de quê?
- Não sei.
- Sabe o endereço?
- Sim. Mas só indo lá.
- Demerval! - Gritou o delegado ao motorista da DP.
- Às ordens, senhor delegado!
- Chame o investigador Cardoso e acompanhe o investigando até à Barra. Vê se bate tudo. Se bater, deixe o garoto por lá e volte.
Quando iam saindo na viatura, Pedro Paulo olhou pela janela e gritou:
- Ali, eles estão ali! - Referindo-se aos seus seqüestradores, detidos e algemados entrando na delegacia.
Logo deram meia-volta. À frente do delegado, os três confessaram ao sequestro de Pedro Paulo por engano.
- O senhor nos desculpe, mas sabe como é que é. Tá difícil confiar nas pessoas hoje em dia. Você disse que era inocente. Como comprovar , sem uma investigação? Queremos saber se alguém lhe bateu nas dependências da DP.
- Não senhor, ninguém me bateu.
- Alguém lhe tratou mal?
- Fui muito bem tratado.
- Dormiu bem de ontem para cá?
- Muito bem.
- Tomou café da manhã?
- Sim.
- Nenhuma aspereza no trato do carcereiro, do investigador de plantão...
- Fique tranquilo, senhor delegado, estou inteirinho e feliz, sabedor que apuraram minha inocência.
- Fiz essas perguntas, porque costumam sair daqui dizendo que foram maltratados, enrabados por detentos, passaram fome e sede. Aqui comigo não tem disso! Preso meu, se reclamar, é injustiça! Vai com Deus, meu filho. Estamos às suas ordens. Quando precisar da gente, sabe, não? É só chegar.
Pedro Paulo saiu dali levando algumas dores disseminadas pelas costas e estômago. O inspetor de plantão não deixara por menos. Estava sem comer há quase 24 horas e a um passo de ser submetido a uma sessão sexual, por parte de alguns detentos. Se dissesse ao delegado alguma coisa, de certo levaria mais algum tempo na delegacia prestando informações, sem hora de chegar em casa, até que o submetessem a exame de corpo de delito para apurar as tais dores.
- Viver é muito bom, até o momento em que a polícia não cisma com a tua cara. Daí em diante, o pobre bicho dá início a uma via crucis, que só termina quando Deus ou o Diabo intercedem.







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